"A BRUXA DE ARRUDA" (2019) Pintura por Alexandre Reigada

First Prize Painting - "Prémio Pintura A Bruxa de Arruda" -2019
M e m ó r i a D e s c r i t i v a :

U m a h i s t ó r i a a o s q u a d r a d i n h o s . U m a h i s t ó r i a cu j a g é n e s e r e m o n t a a o s p r i m ó r d i o s d a n a c i o n a l i d a d e , à é p o ca de D. Afonso Henriques e da Ordem de Santiago. A Bruxa d’Arruda evoca uma sabedoria transmitida de geração em geração por via feminina, entre mulheres que são as guardiãs de um conhecimento ancestral, conhecedoras das virtudes medicinais, espirituais e terapêuticas de certas plantas e orações.

Pintada num estilo primitivo moderno, vulgo nahif, retrata e ilustra diversos episódios da vida e do tempo de Ana Loira, a bruxa d’arruda, mãe e mulher santa, curandeira dos males do povo que acorria de todas as partes para escutar suas ladainhas e provar suas mezinhas. Com uma base documental, integra uma perspectiva conceptual. Não se trata aqui da realidade, mas sim da sua representação simbólica.

Outras dimensões de leitura crítica: uma panóplia de imagens; visões simultâneas; a narrativa não é sequencial, tal como acontece na B.D, mas sim cumulativa; o ex-voto pictórico religioso, com grande significado em Portugal é evocado; o texto complementa o enredo pictórico; montagem dinâmica dos diferentes quadros, com diversas escalas, planos e cenários numa linguagem cinematográfica própria do story board.
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Em termos de composição interna do espaço, são referenciais Joaquin Torres Garcia, Piet Mondrian, Pedro Proença, Anton Patiño. Desenho a negro, rude e grosseiro, preenchimento do espaço com duas cores base, branco e vermelho que são as cores da heráldica de Arruda dos Vinhos. Sem gradação das cores que surgem puras, o verde, azul, amarelo e a cor terra do próprio suporte. O divisionismo rectangular, organizado com dureza geométrica mondriana, as linhas bem demarcadas, definindo diferentes cenários e planos. Cada segmento tem a capacidade de activar uma determinada sensação, uma determinada memória. Cada imagem-quadro convida a reflectir. Se as misturarmos e integrarmos num discurso podemos obter todo o tipo de resultados a partir de um reportório dado previamente, como um menu de um ecrã. As partes aglutinam-se até se encadearem sendo que um só quadro possibilita por si só várias cadeias associativas, um grande potencial de significados.

O tema geral da pintura unifica o que está originalmente fragmentado. Apresentar algo em partes, para transmitir uma sensação de conjunto. As imagens em articulação permitem que diferentes camadas tipo se insinuem, que surja um enredo de associação de ideias ou conceitos, automatismos mentais.

É um espaço aberto onde se estabelecem diferentes nexos e conexões. É um quadro-sistema, como janelas abertas sobre o mundo da Bruxa d’Arruda, uma plataforma de informação onde se inscrevem elementos que se reorganizam de forma perpétua. É o espectador quem escolhe um trajecto. Trata-se de um espaço multi-celular, onde cada célula-quadro encontra simbioses com os restantes e assim se animam, gerando um enredo multi-significante. O observador pode fazer movimentos ascendentes, oblíquos, paralelos, descendentes, sem que se destrua a unidade narrativa. Trata-se de um espaço em permanente construção, feito de ajustamentos, rupturas e continuidades. Surgem várias janelas de exibição que permitem mostrar em simultâneo diversas cenas, gerando uma multiplicidade de centros, que são activados e desactivados à medida que percorremos e tacteamos a superfície sob a influência de uma força atractiva e familiar que nos impele para o interior.

Actualmente, vemos tudo aos quadrados, de forma vertiginosa, caótica, num consumo voraz, permanente, na televisão, nos jornais, nas revistas, na Internet. Ora em frames, ora em janelas/windows.

A pintura apela á transcendência, está envolvida por uma atmosfera filosófica e poética. Diferentes segmentos ilustram superstições, talismãs e amuletos, ervas, poções e chás milagrosos, iconografia religiosa, imaginário popular, o paganismo. Ela joga com diferentes dimensões, o biográfico e o simbólico, o fragmentário e o identitário, o efémero e o imutável, o sagrado e o profano, o mito e a realidade, a vida e a lenda.