YEUX DE BICHE 3/3 (2023)Fotografia de Bettina Dupont.
Fotografia de moda: conto para os preguiçosos
Este artigo é dedicado a todos aqueles que querem saber sobre fotografia, mas têm preguiça de se comprometer com os estudos. Este artigo é feito para todos aqueles que estão entediados de ler a Wikipedia, pois além da lista de datas ou de uma interpretação um tanto fria, precisam urgentemente ser estimulados, entretidos e acompanhados no aprendizado. Este artigo contará, tentando ser menos chato e desafiador, sobre a história da fotografia de moda, assunto que será seguido pela apresentação dos dez melhores artistas da área. Antes de partir para o propósito número um, direi o que é fotografia de moda, procurando não recorrer a definições excessivamente exigentes, mas eviscerar o assunto para torná-lo acessível a todos. Então, simplificando: você conhece a arte pictórica mais antiga? Bem, nisso, por exemplo, está o gênero paisagem, que reúne todas as pinturas que mostram visões naturalistas. Conseqüentemente, se falo em fotografia de moda, refiro-me a todas aquelas imagens que captam roupas e acessórios do vestuário, que podem ser mais ou menos usados por modelos e modelos, capturadas ao ar livre ou em ambientes fechados. Até aqui podemos considerar que a fotografia e a pintura se assemelham, embora, no primeiro caso, seja importante salientar como tal produção artística esteve ligada, especialmente no seu início, às imagens divulgadas pelas revistas de moda (pense no icónica La mode practique, Harper Bazar e Vogue), contexto do qual também se separou gradualmente, à medida que alguns dos seus mais conhecidos expoentes conseguiram elevá-la a uma forma de arte, existindo mesmo fora do mundo puramente comercial. Cheguei a este ponto fugindo ao estilo da Wikipédia, ou seja, sem me referir a uma sucessão compulsiva de datas, embora neste ponto, pelo menos para orientar a minha narrativa num período histórico, gostaria de salientar como a fotografia -a relação revista consolidou-se no século XIX, enquanto a interpretação artística da mesma se situará aproximadamente na década de 1930, através da obra de grandes mestres do género, como Irving Penn, Martin Munkacsi, Richard Avedon e Louise Dahl- Wolfe. De qualquer forma, vale a pena sublinhar como estes últimos não teriam alcançado a visibilidade necessária para impor os seus pontos de vista se, ao longo do século XX, a fotografia de moda não tivesse adquirido gradualmente um novo estatuto, que lhe foi conferido pelo crescente interesse do público pelos desfiles de moda. , designers e modelos. Agora que a história da fotografia foi simplificada, isto é, reduzida ao mínimo, para que talvez a possas lembrar de uma vez por todas, passemos à apresentação dos dez fotógrafos...
'ROSÉ' (2021)Fotografia de Dasha & Mari.
Os dez melhores fotógrafos de moda
Adolf de Meyer, via Wikipédia.
1. Barão Adolf de Meyer
A narrativa continua nas apresentações individuais dos fotógrafos, que serão investigados pelo seu estilo, pois eu queria fortemente tentar evitar repetir mecanicamente as etapas de sua existência, assim como faz minha agora arquiinimiga (brincadeirinha) Wikipedia. A começar pelo Barão Adolf de Meyer, o francês nascido em 1868 é conhecido por ter sido o primeiro fotógrafo da Vogue, distinguindo-se pela utilização de uma lente defeituosa, que conferia às suas imagens um inesquecível semblante de desfoque. Além desta peculiaridade, o que distinguiu a obra de Adolf de Meyer foi o facto de este ter deixado de retratar sistematicamente damas da alta sociedade, transeuntes elegantes, modelos, etc., para se propor a interpretar o sujeito imortalizado, que, expoente de um estilo, tornou-se uma espécie de colaborador do fotógrafo, pronto a entrar em sintonia com ele, para ser autenticamente descoberto. Os resultados foram, para a época em questão, fotografias inéditas, prontas para retratar não só as roupas, mas também os estados de espírito das modelos, sentimentos que transformaram o gênero pela primeira vez numa espécie de modo comunicativo, capaz de revelar não apenas o que somos, mas também como gostaríamos de parecer.
A Lagoa - Luar (1904) por Edward Steichen
2. Edward Steichen
Sabe-se que Edward Jean Steichen (1879-1973), fotógrafo, pintor e curador norte-americano nascido no Luxemburgo, foi, juntamente com o já referido Adolph de Meyer, um pioneiro do género em questão, ao qual conferiu uma abordagem artística, bem como um estilo algo pictorialista, em que se concretizou um foco suave, acompanhado de retoques estéticos, pronto a distinguir-se das imagens mecânicas e nítidas dos seus colegas comerciais da época. Tudo isto não poderia acontecer sem um hábil toque de imaginação, talento e vontade de experimentar, tal como emerge na fotografia, publicada na edição de fevereiro de 1928 da Vanity Fair, na qual Steichen capturou Gloria Swanson colocando um pedaço de véu de renda preta sobre o rosto dela. Nesta última ideia a mulher se reconheceu a tal ponto que dilatou o olhar imitando o de uma leopardo, pronta para atacar por trás de um arbusto, enquanto observa, antecipando, sua presa. Precisamente aqui a descrição anterior mostra como a fotografia de moda, com Edward Jean Steichen, evitou a sua repetitividade estéril, procurando nos modelos uma interpretação original do vestido ou acessório em questão, recriando assim aquela antiga relação que, durante séculos, ligou a vida do pintor talento para a habilidade de atuação de seu modelo favorito.
Lee Miller durante a Segunda Guerra Mundial, via Wikipedia.
3. Lee Miller
Lee Miller (1907-1977), antes de ser fotógrafa, foi modelo, tanto para seu pai quanto para alguns fotógrafos relevantes de sua época, como Edward Steichen, George Hoyningen-Huene e Arnold Genthe, que a capturaram para a Vogue antes de 1929, quando Miller decidiu passar para o outro lado das lentes, para colaborar também com o grande Man Ray. Voltando rapidamente ao seu ponto de vista, podemos ter uma ideia deste último descrevendo a glamorosa fotografia com que o fotógrafo captou, em 1933, a actriz Lilian Harvey, decidida a usar um elegante e vistoso vestido de noite em cetim e lantejoulas, realçado por uma postura parcialmente reclinada em que a modelo encontra equilíbrio no braço esquerdo. O que o torna um tanto peculiar, porém, é o processo fotográfico de solarização, pelo qual, ao superexpor deliberadamente o filme durante a revelação, as imagens ficam parcialmente negativas. Essa técnica transformou o vestido e a figura ao mesmo tempo, borrando, tanto a mão, a definição da manga do vestido quanto o espaço do fundo. Tudo isto é seguido pela presença de fortes contrastes de cores, que se concretizam no referido corpo deitado, que vai aparecendo cada vez mais achatado e insubstancial, de modo que o sujeito, com um sorriso conhecedor, parece dissolver-se, progressivamente, em espaço.
4. Helmut Newton
Elsa Peretti em Halston Bunny Costume, Nova York (1975): este é o plano com o qual quero apresentar o trabalho de Helmut Newton (1920-2004), que, neste caso específico, capturou Peretti, modelo, e posteriormente joalheria estilista, flagrada posando para a Vogue francesa, vestida com uma fantasia de coelho no telhado de seu apartamento em Nova York. Tudo se concretiza tendo como pano de fundo a referida metrópole, local onde à luz do dia se revelam ambientes típicos da noite, aludindo provavelmente a uma forma de voyeurismo revelado. Certamente o que acabamos de descrever foi inspirado na experiência Palyboy do fotógrafo, que consequentemente decidiu explorar livremente o erotismo e a sexualidade feminina, dimensões prontas, de forma inovadora, para ingressar no gênero da fotografia de moda. Na época, tal abordagem do fotógrafo daltônico era de fato percebida como altamente sensual, às vezes sadomasoquista, estilizada ou mesmo fetichista. Apesar do extremismo de algumas avaliações, certo é que o artista quis retratar as mulheres sob uma nova luz, colocando ênfase numa natureza dominante, captada através de ângulos estranhos, iluminação dramática e poses eróticas habilmente curadas e compostas, prontas para dar origem a visões fortes e provocativas.
5. Ricardo Avedon
Richard Avedon, nascido em 1923, foi um fotógrafo e retratista norte-americano, extremamente famoso pelos seus inúmeros retratos a preto e branco, que se destacaram em vários géneros, incluindo o da reportagem e da moda, onde, por exemplo, o impacto dos disparos como Dovima com elefantes, vestido de noite Dior, Cirque d'Hiver, Paris (1955) permanece imortal. Esta última fotografia revela o estilo da mestra, apresentando-se como um jogo de contrastes, contrastando a pele clara da modelo com a sua fita e a pele cinzenta escura dos elefantes ásperos e enrugados, prontos a falar da passagem do tempo, ao qual o a jovem parece não ter nada a temer, assumindo uma postura forte, embora um tanto angular. Os opostos voltam a atrair-se nas linhas, pois o rigor da mulher parece sobressair das instintivas mas pesadas curvas animais. Embora a foto em questão tenha marcado a ascensão do mestre no campo da fotografia de moda, ele lembra com uma espécie de pesar: “Ainda hoje olho aquela foto e não sei por que não tinha a faixa à esquerda saia para completar a linha da imagem. Para mim a foto sempre será um fracasso porque aquela faixa não está lá.
6.Ellen von Unwerth
Ellen von Unwerth é uma fotógrafa alemã nascida em 1954 que iniciou a sua carreira como modelo antes de se tornar um ícone da fotografia de moda e publicitária especializando-se no tema feminino que interpreta referindo-se ao exemplo extraído da obra de Guy Bourdin e Helmut Newton. O tema abordado principalmente pela artista reside na valorização do poder do olhar feminino, bem como na sua capacidade de exploração do erotismo, que, por vezes percebido de forma provocativa, alude à emancipação do sexo frágil, narrando-a através do evocação de um ponto de vista glamoroso, visando apresentar elementos visuais ao mesmo tempo calmos e fortes. Essa narrativa ganha forma, tanto em preto e branco quanto em cores, em composições clássicas e atemporais, bem como em tomadas dinâmicas e lúdicas. Neste último aspecto, o seu trabalho é conhecido por apresentar uma abordagem lúdica, que visa deixar as modelos à vontade, incentivando atitudes positivas e algo espontâneas, que levam fotógrafo e sujeito a explorarem juntos os temas do fetichismo, da sexualidade e da feminilidade, ao mesmo tempo que tentam para revelar a personalidade da efígie.
7.Tim Walker
Timothy Walker é um fotógrafo de moda britânico nascido em 1970, que, exprimindo-se regularmente para revistas como Vogue, W e Love, explicita um ponto de vista certamente pronto a atrair a atenção de todos aqueles que se recusam a crescer, na esperança de ver realizaram os sonhos que ganharam vida em seus contos de fadas favoritos. Na verdade, os planos de Walker, através da utilização de cores sobretudo suaves, caracterizam-se por dar asas à imaginação infantil, pronta a assumir o aspecto de histórias encantadas e, ao mesmo tempo, delicadas, que levam o observador a afastar-se dos rígidos padrões mentais do mundo adulto. Quase parece que o artista lhe fez a citação de Irving Penn: “Fotografia de moda é vender sonhos e não roupas”, para aproximar o quotidiano da magia de uma forma surreal, mas bastante credível. Esse encantamento, porém, não é resultado da manipulação digital que o fotógrafo evita, tanto que o que aparece na foto foi autenticamente composto no set, exclusivamente em tamanho real. Conclui-se que o espectador se sente como “era uma vez”, ou seja, capaz de vivenciar aquelas sensações esquecidas, pronto para fazê-lo voltar a vestir as asas da fantasia...
8. Roxanne Lowit
Roxanne Elizabeth Lowit (1942-2022) foi uma fotógrafa americana de moda e celebridades, cujo principal desejo era não perder nenhum detalhe, fixá-lo em imagens, visando dar um rosto a uma época, parando-a em momentos eternos. A sua visão apresenta uma peculiaridade específica, que é a de permitir ao observador entrar na esfera privada, íntima e pessoal dos sujeitos retratados, acessando também os cobiçados bastidores do mundo da moda. Na sua investigação figurativa fundem-se duas componentes em particular, como o hedonismo e o glamour, muitas vezes também expressos através de um ponto de vista nocturno. As peculiaridades do mundo que ela captou, porém, só foram possíveis de serem apreendidas no momento em que ela praticava principalmente, pois, referindo-se às suas próprias palavras, a fotógrafa declarou: "Aí com certeza houve mais ludicidade. As modelos realmente tiveram grande personalidades e muito charme. Hoje acho que as meninas são todas mais ou menos iguais... as top models realmente têm tudo planejado."
9. David LaChapelle
David LaChapelle é um fotógrafo e realizador americano nascido em 1963, que tem atuado nas áreas da moda, da publicidade e num sentido mais amplo da fotografia artística, expressando-se através de um ponto de vista Pop muito pessoal, que se concretizou na fusão de temas principalmente eróticos, brilhantes, sagrados e mitológicos. Esses temas se concretizam em fotografias que parecem pinturas, visando dar forma aos sonhos do artista, o que certamente remete também aos ensinamentos do Surrealismo. Através deste último aspecto foi possível concretizar uma linguagem, em que a espiritualidade e a provocação se fundem, numa mistura que parece incorporar contos de fadas e kitsh, mas também o exemplo de Michelangelo, Botticelli, Dalì e de Koons, que se traduz através de o uso de cores translúcidas e imagens brilhantes, ricas em diversão e blasfêmia. Da mesma forma, explicita-se a referência ao culto às celebridades, ao consumismo e à sua consequente voracidade expressiva, sem esquecer como LaChapelle declarou ter uma admiração particular por mestres do calibre de Andrea Pozzo e Caravaggio, considerando também que o seu Seu trabalho foi provavelmente influenciado pelo trabalho de Salvador Dalí, Jeff Koons, Michelangelo, Cindy Sherman e Andy Warhol.
10. Annie Leibovitz
Sem título (2017): foto de Leibovitz que explica em parte seu ponto de vista expresso na fotografia de moda, retratado, neste caso específico, na capa da edição hollywoodiana da Vanity Fair, em que onze estrelas posam vestindo roupas de grife, com cores coordenadas, enquanto se destaca no cenário de um estúdio de cinema. Os sujeitos da composição estão dispostos em pé, sentados ou deitados, aparecendo unidos apenas pelo fato de cada um deles voltar o olhar para a lente, apresentando uma expressão impassível. A capa parece decididamente glamorosa e elegante, ainda que, aparecendo todos os anos com protagonistas diferentes, segundo o costume do Oscar, seja também um tanto efêmera e intercambiável. No entanto, é este tipo de retrato de grupo de celebridades que ajudou a tornar famosa a fotógrafa, conhecida pela sua capacidade de gerar interesse visual graças à sua disposição inteligente de temas, bem como de luzes e adereços. Tudo é fruto de uma grande reflexão e planeamento, que idealmente se opõe à superficialidade do culto aos famosos, embora seja também através desta leveza que é possível conhecer o momento cultural em que um plano tomou forma...