Glicéria Tupinambá representará o Brasil na Bienal de Veneza de 2024, marcando uma ocasião histórica como a primeira artista indígena a apresentar uma exposição individual no pavilhão do país.
Este espaço expositivo, tradicionalmente conhecido como Pavilhão do Brasil, foi renomeado nesta edição como Pavilhão Hãhãwpuá. O nome deriva da palavra usada pelo povo Pataxó para se referir ao território hoje reconhecido como Brasil antes de sua colonização pelos portugueses. Vale destacar que o anúncio do pavilhão reconheceu que o território “teve muitos outros nomes” ao longo do tempo.
Esta renomeação do pavilhão alinha-se com uma abordagem semelhante adotada em 2022 para o Pavilhão Nórdico, um espaço de exposição partilhado pela Noruega, Suécia e Finlândia na Bienal. Nesse caso, o pavilhão foi dedicado exclusivamente aos artistas Sámi e foi renomeado de acordo para refletir esse foco.
Embora Glicéria seja a primeira artista a ter crédito exclusivo pelo pavilhão, vale ressaltar que ela não é a primeira artista indígena a expor no Pavilhão Brasileiro. Outro artista indígena, Chico da Silva, pintor filho de mãe indígena peruana e pai brasileiro, teve a distinção de figurar no Pavilhão Brasileiro de 1966.
Em um marco paralelo, o Pavilhão Hãhãwpuá espelha um desenvolvimento significativo ocorrido no Pavilhão dos Estados Unidos. Lá, Jeffrey Gibson, membro do Bando de Índios Choctaw do Mississippi com herança Cherokee, se tornará o primeiro artista indígena a representar os Estados Unidos como solo.
Glicéria, do povo Tupinambá, apresentará a exposição “Ka'a Pûera: somos pássaros ambulantes”. Este título faz referência à capoeira, ave conhecida por sua capacidade de se camuflar nas queridas florestas dos Tupinambá. Infelizmente, estas mesmas florestas estão ameaçadas por interesses empresariais que procuram reaproveitá-las para fins agrícolas, uma causa à qual Glicéria se tem oposto activa e veementemente.
No Brasil, Glicéria é reconhecida tanto como artista quanto como ativista. Em 2010, ela ganhou as manchetes quando foi detida, juntamente com o seu bebé, por um período de dois meses, depois de se ter pronunciado corajosamente contra casos de brutalidade policial, suscitando preocupação generalizada entre as organizações de direitos humanos. Seu foco principal está na preservação da cultura Tupinambá, e ela efetivamente emprega seus filmes como ferramentas em sua defesa. Uma de suas obras, atualmente exposta no Museu de Arte de São Paulo, investiga a importância dos mantos na cultura Tupinambá.
Para sua apresentação na Bienal de Veneza, a curadoria de Glicéria será supervisionada por Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana.
Em nota, os curadores enfatizaram que o tema do pavilhão gira em torno da ideia “que nos lembremos daqueles que estão à margem, desterritorializados, invisibilizados, presos e cujos direitos territoriais foram violados, mas que nos chamam à resistência, acreditando que somos humanos-pássaros-memória-natureza porque sempre existe a possibilidade de ressurgimento e resistência."
Embora Glicéria receba crédito oficial pelo pavilhão, ela estenderá convites a outros membros de sua comunidade Tupinambá para colaborarem com ela nessa empreitada. Os participantes Tupinambá específicos que estarão envolvidos ainda não foram anunciados.